Grampos x chapeletas

Por gustavosoares

Este texto, de autoria de Jean Pierre von der Weid, discute a problemática das proteções fixas e suas colocações, comparando alguns aspectos importantes que diferem os grampos e as chapeletas assim como os materiais usados, inox ou aço carbono.

Grampos x chapeletas Jean Pierre von der Weid

Muito se tem falado dos grampos fixos, termo usado antigamente para diferenciá-los dos grampos de fenda, conhecidos há tempos como ‘pitons’ e dos grampos de expansão, invenção dos anos 60 que impulsionou enormemente a qualidade técnica das nossas conquistas. Acredito que devemos ao CERJ, e provavelmente ao Pellegrini, a difusão desta preciosidade entre nós. Os grampos de expansão eram de ¼ e tinham uma chapeleta presa por um porca. Eram usados como meio de progressão ou para instalar uma proteção rápida e provisória que asseguraria a árdua tarefa de se bater um grampo de ½ numa posição precária. Muito mais tarde apareceram as chapeletas de ½, os ‘parabolts’, grampos fixos com colas e cimentos e outros tecnicismos, originários dos países europeus ou americanos do norte. O grampo fixo passou a ser chamado por muitos de grampo ‘P’ em alusão a seu formato, sobretudo pelos adeptos das chapeletas.

O Rio de Janeiro, pioneiro da escalada no Brasil, desenvolveu enormemente o esporte baseado na técnica de conquista com os grampos de expansão, usados onde não entravam as cunhas e pitons, e com os fixos. Naquele tempo, conquistar era uma atividade que ganhava este verbo somente se feita “de baixo para cima”, sem auxílio algum vindo do cume. O uso de colas e cimentos é impossível neste caso, não dá para esperar secar ou curar o cimento ou resina. Na busca de novas possibilidades, a criatividade foi exercida ao máximo e diferentes formas e materiais foram experimentados. O grampo de 3/8 veio para facilitar o árduo trabalho de abrir a marretadas o buraco do grampo, tornando as conquistas  mais rápidas. O seu sucesso na via Leste do Pico Maior de Friburgo é indiscutível.

O problema do grampo ainda é a sua fabricação não padronizada. Qualquer um que queira realizar uma conquista pode comprar um vergalhão de ½ e passar no serralheiro da esquina para mandar fabricar os grampos que usará. Nenhum padrão, nenhum controle de qualidade, nada restringe este gesto. O conquistador deixará sua via com grampos que poderão enferrujar ou não, mal ou bem soldados, de aço adequado ou não. Anos depois, outro escalador sentir-se-á no direito de ir lá e bater o grampo da sua escolha, sem nem perguntar ao conquistador suas preferências. A situação está assim sem padrão, até porque tudo mudou ao longo de quase cem anos de uso dos grampos, e pouca ou nenhuma atenção ao direito autoral. Considerando isto, e também porque tive conquistas minhas grampeadas ou regrampeadas à revelia, é que resolvi externar minha opinião sobre os grampos e chapeletas, materiais e etc e propor a fabricação de um novo tipo de grampo fixo que contorna os principais problemas dos atuais.

Grampos x chapeletas

Tenho lido muitos textos depreciando o grampo fixo e cantando loas às chapeletas. A grande diferença entre os dois é que as chapeletas trazem a marca do fabricante, em geral estrangeiro, reconhecido e aceito sem hesitação pelo escalador. Enquanto isso, os nossos grampos fixos foram ou são fabricados numa serralheria desconhecida por encomenda, eventualmente urgente, de algum conquistador antes de partir para sua conquista. Nem sempre este é o caso. Durante anos Pellegrini fabricou grampos para as conquistas do CERJ. Hoje em dia alguns fabricantes chegaram a ganhar nome na praça e manter um padrão, como é o caso do Chiquinho que há anos fabrica grampos de ½ em Petrópolis. Grampos da marca Santa Cruz invadiram às dezenas muitas das escaladas no Rio e vizinhanças, batidos à revelia dos conquistadores na maioria dos casos. Tão difundidas são estas marcas que Marcelo Roberto e Miguel Freitas, ambos do CEC, fizeram testes na PUC-Rio procurando quantificar sua resistência à tração. Verificaram que estes grampos resistiam a trações estáticas até pouco mais que 1.000 kg, deformando-se em seguida, quando o teste era então interrompido. Os resultados destes testes, que acompanhei pessoalmente, estão publicados na internet na página do CEC. Entre os testes não publicados está o que fiz com um grampo de ¼, marca Stubai, que se pode encontrar em muitas conquistas aqui no Rio. Preso com o olhal para baixo o grampo resistiu até 3.500 kg.

O que diferencia os grampos e as chapeletas a ponto de provocar tão acaloradas discussões? Além do problema da marca, os grampos trazem o inconveniente de terem uma forma que os expõe à deformação sob esforço, o que não acontece com as chapeletas. O grampo se fixa usualmente com o olhal para cima, de modo que o esforço se exerça no corpo do grampo e não no olhal soldado nele. Com isto, o torque exercido pela força de queda acaba deformando o grampo e fica muito difícil calcular se ele irá se partir ou não, o único resultado que interessa ao escalador. Raramente se fixou um grampo com o olhal para baixo, posição que permite que o olhal se apoie na parede impedindo a deformação. Se a solda for perfeita, o grampo resiste a quase 5.000 kg, mostraram os testes na PUC-Rio. Mas todos olhamos a solda como um ponto fraco e temos medo que ela ceda ao impacto. Eu mesmo passo uma fita no eixo quando encontro um grampo de olhal para baixo, não sei a qualificação do soldador que o fez. Estarei eu argumentado em favor das chapeletas? Decerto não, apenas conheço as limitações do grampo e não devo escondê-las numa discussão séria.

As chapeletas levam a vantagem da marca e dos cálculos teóricos, todos simples e conclusivos nas condições ideais. A força se exerce transversalmente ao eixo do parafuso de fixação e à chapa de aço usada na chapeleta, situação encontrada em todos os manuais. A desvantagem? Nem preciso falar da possibilidade de rapel, inexistente nas chapeletas a menos que se abandone uma fita. A forma complexa, com mais de um elemento (o parafuso de fixação e a chapeleta) e o fato de que é impossível conferir o estado de corrosão do eixo ou da rosca responsável pela fixação da chapeleta são desvantagens gritantes. Mais ainda, numa queda a chapeleta pode girar no seu eixo e exercer uma alavanca sobre a rosca, como um pé-de-cabra, amplificando muitas vezes o esforço da queda. Por último, quem já teve o trabalho de retirar grampos e chapeletas indevidamente batidos em conquistas alheias sabe muito bem que o pino das chapeletas parte-se com uma facilidade espantosa, ao contrário dos grampos.

Inox ou aço carbono?

O problema da maresia e corrosão é crucial no Rio de Janeiro, cidade dos paredões à beira-mar. O material usado nos grampos sempre variou de forma não controlada. Vemos grampos de ½ em aço carbono resistirem durante anos e anos, expostos diretamente à maresia do Pão de Açúcar, enquanto que outros se desfolharam em horrorosas camadas de ferrugem, reduzindo sua espessura útil a assustadores ¼ ou menos. Proteções diversas, tintas, zarcões, pixe, galvanizações e outros artifícios foram tentados mas nunca foi conclusiva a eficiência de qualquer destes métodos. Foi então que apareceu o aço inox como material ideal para grampos fixos. Com eles foi feita a regrampeação da chaminé Gallotti solução “milagrosa” para a maresia inclemente.

A grande vantagem do inox é, realmente, o fato de ser ele praticamente imune à maresia. Ao contrário do aço carbono, o inox tem sempre o mesmo aspecto mesmo depois de anos de colocado na pedra. Solução definitiva para a corrosão? Não! Outros problemas tornaram-se evidentes, problemas estes não suspeitados no início e que vieram a ser conhecidos com o desenvolvimento da tecnologia de prevenção à corrosão nas plataformas e equipamentos de exploração de petróleo no mar. O aço inox é, em primeiro lugar, um aço difícil de soldar sem degradar o material. Microtrincas aparecem e progridem pelo material sem serem percebidas a olho nu. O aço aparentemente perfeito um dia parte-se como um bastão de giz. Exemplos deste fenômeno foram reportados nos grampos da Gallotti. Outro problema é a textura do inox, muito lisa. O grampo de inox gira no buraco com muita facilidade, mesmo com palhetas para aumentar a pressão. O aço inox é uma roleta russa. Nunca sabemos se o grampo está bom ou se tem microtrincas e, mesmo depois de anos de fixado, ele gira no buraco com grande facilidade. Entre um grampo de inox e um de aço carbono, não há o que hesitar, fico com este último mesmo sabendo que ele será corroído. Ao menos saberei quando é a hora de trocar. O inox quebra sem avisar.

Um grampo diferente

Estas considerações apontam todas para a fabricação mais cuidadosa e padronizada dos grampos, contornando assim suas principais desvantagens. A eliminação da solda é o primeiro passo. Para isto a escolha do processo de fabricação deve passar pela forja, processo muito mais preciso, controlado, reprodutível e que dispensa as perigosas soldas. A escolha do material também deve ser cuidadosa, optando por um aço dútil o bastante para não ser quebradiço, mas que aceite receber as marretadas necessárias para sua colocação. Finalmente, ainda na escolha do material coloca-se a sua resistência à corrosão, descartando-se o inox, mas guardando algum cromo na sua composição ou incluindo um processo de galvanização eficiente para protegê-lo. Na página do CEC reproduzo o desenho que proponho para o grampo forjado de 12 mm (em vez de ½) a ser colocado com o olhal para baixo, evidentemente. Muito parecido com os grampos Stubai de ¼ ou com os velhos 3/8 do Pellegrini. Incluí uma corda de 11 mm e um mosquetão base no desenho, para dar uma escala e verificar o conforto do seu uso. O preço de custo do grampo não será muito maior que o preço dos grampos atualmente comercializados, o problema maior é a quantidade necessária para custear o preço da forma. Um ‘pool’ de clubes, escaladores e federações poderia viabilizar a sua fabricação e dar ao esporte uma alternativa nova e segura.

Jean Pierre

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