RESPONSÁVEL
DATA DA ATIVIDADE

27/11/2021

RELATO POR

Mariana Lopes Alves

PUBLICADO EM

21 de dezembro de 2021

CATEGORIA

Participantes: Mariana Alves, Kyra Merz de Andrade, Paula Caetano, Ciça Ferreira, Liane Leobons, Ana Carolina de Oliveira, Gabriela Magnani, Gislaine Costa.

Esse ano, depois de alguns anos afastada do clube e do Brasil, voltei de vez para os dois. E quando voltei tive uma linda surpresa ao ver o clube tão movimentado, e principalmente ver tantas mulheres guiando, abrindo pranchetas e tocando atividades. Comecei a ver também uma nova leva de conquistadores, mas, reparei que eram todos homens. As meninas estavam guiando muito, mas conquistando pouco. Apesar de ajudarem os meninos, não estavam tendo muita participação ativa, salvo casos pontuais. Foi quando tive a ideia de tentar aumentar o protagonismo feminino nas conquistas, viabilizar novas conquistas femininas no clube e recuperar o espírito das sereias desvairadas das nossas musas inspiradoras do clube que tantas aventuras viveram nos anos 80. Foi aí que pensei em organizar uma oficina de conquistas focada em mulheres.

Eu estava com uma lesão no tornozelo e uma miocarditis, mas animada para por a idéia pra frente. Inicialmente falei com algumas meninas que estavam guiando muito: a Kyra, que estava inspirando e levando todo mundo pra pedra (spoilers: alguns meses depois ela virou monitora e prêmio performance do ano); a Paulinha, que pra mim foi quem mais deu a “cara nova ao clube” uma pessoa que eu via que amava o clube e dava tudo por ele, além de escalar pra caramba; a Ciça, que desde que eu entrei pro clube lá em 2009 sempre foi uma inspiração escalando muito forte e a Liane, que entrou pro cec recentemente mas tinha participado de várias conquistas.

A ideia foi muito bem recebida e as meninas ficaram muito animadas e logo começaram a pensar em outros nomes para compor essa experiência. A prancheta inversa foi se formando pensando em sócias do clube que estivessem ativas e guiando há algum tempo. Entre as sugestões que cada uma foi dando finalmente entraram Aninha, Gabi, e a Gislaine. O grupo estava formado. 

Pra viabilizar a oficina chamei primeiro o Marcos Dias, que é um guia e conquistador muito experiente e que eu tinha acesso mais rápido. Ele topou na hora. Ele já tinha feito uma oficina de conquista pelo clube no passado e adorou a ideia. A prancheta inversa estava oficialmente aberta! Como éramos 8, o Marcos achou que outro guia seria bom para ajudar numa oficina com um grupo já tão grande. O Cadu foi o primeiro nome na nossa mente. Não só por ser um dos grandes conquistadores do clube, mas porque ele mesmo foi quem ensinou o Marcos a conquistar. 

Quando o Marcos o convidou ele adorou o convite e juntos eles já começaram a decidir metodologia, temas, como iam ser as aulas e a parte prática. Também começaram a discutir possíveis lugares tanto para a aula como para as vias de “aprendizado”. Era importante que conseguíssemos um lugar para “aprender a furar e colocar as proteções” que não causasse impacto ou inviabilizasse um boulder ou via…

Marcos e Cadu decidiram dividir a oficina em 2 dias, uma aula teórica, com uma pequena prática e uma prática de conquista de uma via mesmo. Milagrosamente conseguimos um dia em que todas as 10 agendas coincidiam e marcamos a primeira aula pro dia 27 de novembro de 2021 e a segunda para dia 11 de dezembro. O local da aula foi escolhido tendo em vista o acesso e a existência de encostas com pedras e depois de muito debate em grupo acabamos indo próximo das aderências do Dona Marta. 

O primeiro dia de aula foi uma emoção só. Marcamos a aula na rua, no estilo piquenique, no sábado pela manhã. Era um dia lindo de sol depois de várias semanas de chuva. Cada uma levou comidinhas e bebidas. Cadu achou inclusive uma mesinha e no fim montamos um verdadeiro banquete! 

Os meninos não ficaram atrás e levaram um arsenal de equipamentos para nos mostrar, inclusive alguns com patente Magyver.  Eles começaram falando sobre teoria, mínimo impacto, como visualizar a linha, o processo autoral de criação da via e essa poesia da conquista até se materializou em algumas belas frases durante a aula: “O sol e chuva mostram o caminho. As sombras são nossas amigas.” (Cadu).  Eles nos apresentaram os materiais, vários deles nem nunca tínhamos usado, as diferentes brocas, métodos tradicionais e modernos, e diferentes estilos de conquista. Foram tão atenciosos que tiveram o cuidado de criar um passo a passo com a ordem sugerida dos procedimentos. Se revezavam e trataram dos diversos temas, desde a leitura, até a divulgação dos croquis. Fizeram algumas demonstrações e contaram causos das conquistas que fizeram juntos! 

Os aplausos no final foram o símbolo de que estávamos todas muito felizes com esse mundo de possibilidades que se abria. Algumas de nós até já tinham participado de conquistas e reformas, mas mesmo essas não se sentiam autônomas suficiente para bater grampos e conquistar independentemente. Naquele 27 de novembro tudo isso estava mudando.

Depois de uma pausa com direito a pão artesanal da Gabi, bolo da Liane e outros quitutes trazidos pelo grupo, fomos para a parte prática.

Fomos para uma parte da rua aonde umas pedras no nível do asfalto em uma encosta próxima a um muro serviriam para nossos testes. A Gabi e a Ana logo se animaram com a tarefa mais árdua: Queriam bater um grampo à moda tradicional, na mão. O cronômetro foi acionado e lá foram elas revezando a marreta e girado o punho. Lembramos do vídeo da Liane batendo grampos ao som de “creu”, Liane, aliás que mais pra frente nos emocionou a todas batendo seu primeiro grampo numa via, mesmo depois de participar de tantas conquistas! Mulherada levando a outra pra cima, como diz a camiseta feita pela Paula.

A maioria de nós, no entanto, optou por usar a furadeira. Algumas de tênis, outras equipadas “pra escalar”, mas todas furando a pedra ao olhar atento dos nossos professores que iam dando dicas, consertando ângulos, lembrando a ordem a ser seguida, até onde furar, como bater, soprar, posição dos grampos e chapeletas, observar sons, e outros detalhes. Todas sentiam muita emoção ao finalizar o primeiro grampo ou chapeleta. Fotos e mais fotos! 

Já tinha se passado uma hora do início dessa atividade, a maioria de nós já tinha pelo menos batido uma chapeleta ou grampo com a furadeira, quando finalmente a Gabi e a Ana deram o grito da vitória! O grampo manual estava colocado! Suadas e felizes elas tinham conseguido. Nessa hora aprendemos a dar ainda mais valor as conquistas tradicionais, e claro, assumimos definitivamente nosso amor à modernidade e a furadeira.

Saímos dessa aula muito animadas e fomos direto para o local que outra companheira de clube tinha visto e “dado o beta”. A Naty, mesmo há muito tempo sem escalar e um pouco afastada da pedra (temporariamente), generosamente viu um local perfeito em plena zona sul e falou pra Paula: “ali não tem vias, acho que vocês podem conquistar lá”. Lá fomos nós fazer o reconhecimento. E de fato, para nossa surpresa, apesar de ser o Dona Marta, em plena zona sul do Rio, não víamos grampo algum nesse pedacinho. O Cadu e o Marcos subiram um pouco para fazer o reconhecimento e depois de uns minutos, voltaram felizes apesar dos arranhões do arranha gato e disseram “dá pra pelo menos duas linhas!”

Nossa segunda aula tinha local! Agora já começávamos a nos sentir conquistadoras, iríamos abrir uma via de verdade. Todas ficamos muito animadas e a partir daí começamos a movimentar no grupo a compra de materiais. Conforme íamos enchendo nossa bandoleira íamos postando orgulhosas fotos de nossos “kits”, marretas, sopradores e outros brinquedinhos.

Para essa segunda aula nos dividimos em dois grupos. Infelizmente por um imprevisto o Cadu não pode ir, mas certamente estava presente em tudo que aprendemos, e por isso apenas uma das vias contou com o apoio do Marcos. Mas apesar de estar em apenas uma via ele ia olhando e dando dicas e tirando dúvidas para a outra cordada.

Dia 11 de dezembro foi um dia especial, e estava especialmente quente quando começamos a conquista de duas linhas no Dona Marta. Em uma das possíveis bases ficamos eu, Paula e Kyra. Enquanto partiram para a outra conquista um pouco mais para a direita Gabi, Ciça, Liane, Gislaine e Marcos (a Ana só conseguiu participar em uma data pra frente).

A sugestão do Marcos foi que cada uma batesse 2 grampos e que fossemos revezando, para não nos afastarmos muito e ir ganhando experiência e metros de via juntas. Aliás, ainda bem que tínhamos o Marcos por ali, pois apesar de estarmos animadas e confiantes, algumas pessoas tiveram dificuldades de bater alguma chapa, ou ainda surgiram dúvidas como “posso bater aqui? Tá próximo da fenda mas não entra um friend!”. Em algum momento ele interveio para ajudar quando alguma das meninas teve um problema ao bater a chapeleta que entrou torta. Então, que bom que tínhamos esse apoio!  Mas no geral as conquistas fluiram sem grandes dificuldades, mostrando o poder da mulherada e as ótimas lições que recebemos do Cadu e do Marcos. À medida que subíamos, íamos ganhando confiança, a conquista fluiu e cada menina conseguiu bater pelo menos duas proteções neste dia!

Uma menção especial para a Liane, que conquistou um crux exposto e só bateu um grampo depois de 40 metros. E para a Kyra, nossa rainha da aderência, que estava conquistando um lance quebrento e escorreguento, quando a agarra de pé quebrou! Um lacão veio rolando na direção da segurança, e ela escorregou pela pedra alguns centímetros. Detalhe: com furadeira nas costas, marreta, escova de ferro e outros materiais pendurados. Com muita habilidade conseguiu frear a queda numa outra agarra, olhou para nós e falou, com calma e classe “é meninas, acho que vou bater uma proteção aqui”. Eu e a Paula mais abaixo na segurança nos entreolhamos de olhos arregalados, demos risadas nervosas e de orgulho da grande conquistadora que estávamos vendo ali.

O dia foi encerrado e nenhuma das duas vias foi totalmente concluída. Mas nos sentíamos vitoriosas, cheias de histórias pra contar!  Enquanto escrevo esse relatório duas vias estão sendo abertas no Dona Marta como fruto da oficina, uma aberta pela Gabi, Liane, Ciça, Gislaine, Ana e Marcos que está praticamente pronta e outra sendo tocada, por enquanto, pela Kyra, Paula e eu. Também enquanto escrevo esse relato estamos por viabilizar um acesso público as bases (que já vimos só falta limpar), pois a conquista foi feita através da ajuda de moradores (viva o sr. Mario) que nos deixaram passar pelas suas casas, sempre solícitos e sorridentes. “O cafezinho e a política da boa vizinhança também fazem parte da conquista”, uma das lições que o Cadu e Marcos tinham dado e já se materializam. Em breve divulgaremos as vias, o acesso e os croquis. Em breve esse dia será apenas a memória da primeira de muitas conquistas que ainda estão por vir com essa mulherada forte do CEC.